Muito mais do que um apanhado de regras, a Lei da Liberdade Econômica, Lei nº 13.874, sancionada em 20.09.2019, é um marco para o ambiente de negócios e para a atividade empreendedora no Brasil.
Ela institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, conjunto de princípios fundamentais que alteram de modo substancial o tratamento legal a ser conferido à atividade empresarial e estabelecem garantias de livre mercado.
Trata-se de uma verdadeira e muito necessária renovação dos parâmetros normativos e de um ataque direto à burocracia e regulação excessivas existentes. A Lei veio em boa hora, trazendo esperança para o fortalecimento da atividade econômica no nosso país que ainda está se recuperando das últimas crises.
O texto aprovado traz modificações específicas nas diferentes esferas do direito civil, empresarial, societário, trabalhista, tributário e de mercado de capitais e valores mobiliários. Abaixo, destacamos algumas dessas modificações.
Foram feitas alterações no Código Civil com previsão de que as partes contratantes de um negócio poderão livremente definir entre si as regras de interpretação, ainda que diferentes daquelas previstas em lei. Nas relações contratuais privadas prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.
A lei traz previsão de que são presumidos como paritários e simétricos os contratos civis e empresariais, exceto se for comprovada a presença de elementos que, no caso concreto, justifiquem o afastamento dessa presunção ou, ainda, nos casos previstos em lei especial.
Neste contexto, destaca-se a obrigatoriedade de se respeitar as alocações de risco que as partes definirem contratualmente e a excepcionalidade da revisão contratual.
Um ponto que chama atenção é a previsão de que a interpretação do negócio jurídico será no sentido de ser mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável. Isto poderá gerar polêmica na sua aplicação em determinados casos, como, por exemplo, nas negociações entre empresas e pessoas qualificadas e com poder de barganha na negociação, devidamente assessoradas por seus respectivos advogados, mas que tenham aceito, sem relevantes modificações, os documentos redigidos pela outra parte.
Com a entrada em vigor da Lei, as sociedades limitadas poderão ser formadas por apenas uma pessoa. Isto representa uma vantagem em relação à EIRELI, uma vez que a sociedade limitada não requer integralização mínima de capital social no ato da constituição da empresa.
A Lei prevê expressamente que a pessoa jurídica não se confunde com a de seus sócios, assim como que a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, reforçando, dessa forma, conceitos já amplamente conhecidos, mas que frequentemente são fragilizados ou desconsiderados inclusive por nossos tribunais.
Assim, bens particulares de sócios e administradores só serão afetados em caso de desvio de finalidade (lesão a credores ou ato ilícito) ou confusão patrimonial, o chamado “abuso de personalidade”. Ainda, a mera existência de grupo econômico não é suficiente para a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.
Trata-se de um reforço bem-vindo, que fortalece o direito e a atividade empresarial e que, espera-se, seja bem recepcionado pelos tribunais com efetiva repercussão prática.
A principal alteração da Lei em relação aos fundos de investimento é de que eles se constituem em um condomínio de natureza especial, competindo à Comissão de Valores Mobiliários – CVM – disciplinar este aspecto, não se aplicando as regras gerais de condomínio previstas no Código Civil aos fundos de investimento.
Ainda relevante e de grande interesse dos investidores é a regra trazida pela lei no sentido de que o regulamento do fundo de investimento poderá estabelecer, dentre outros:
◦ a limitação da responsabilidade de cada investidor ao valor de suas cotas;
◦ existência de classes de cotas com direitos e obrigações distintos, com possibilidade de constituição de patrimônio segregado para cada classe (de forma que este só responderá por obrigações vinculadas à respectiva classe de cotas).
Isto traz mais flexibilidade, segurança jurídica e previsibilidade de riscos aos investidores. Certamente, haverá interesse dos investidores de adaptar os respectivos regulamentos para tanto.
A Lei prevê também que o fundo de investimento responde diretamente pelas obrigações legais e contratuais por ele assumidas, restringindo-se a responsabilização de administradores ou gestores às hipóteses em que estes atuarem com dolo ou má-fé. Além disso, se o fundo de investimento com limitação de responsabilidade não possuir patrimônio suficiente para responder por suas dívidas, serão aplicadas as regras de insolvência previstas no Código Civil.
Ainda, na linha da desburocratização, a Lei prevê que não é mais necessário o registro do regulamento dos fundos de investimento no cartório de títulos e documentos. Basta, agora, o registro na CVM para fins de publicidade e oponibilidade de efeitos em relação a terceiros.